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Projeto CELA impulsiona internacionalização de escritores e tradutores
O que têm em comum Daniela Costa, Patrícia Patriarca, Lavinia Braniste, Cristina Visan, Jasna Demitrijevic e Ilija Stevanosvski, além de estarem ligados à literatura? Os seis integram o projeto CELA – Connecting Emerging Literary Artists, em representação de países cujas línguas são menos traduzidas, e aspiram à internacionalização. Foi sobre essa experiência de que falaram, no dia 13, no FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos.
Daniela Costa, escritora portuguesa que já participou numa residência artística em Óbidos, destaca como vantagens de participar no CELA ter “acesso a formação, a outros conteúdos e a outras abordagens”, e conhecer escritores, tradutores, agentes literários, com os quais trabalha em rede. “Lemos os textos uns dos outros e isso traz-nos vários inputs interessantes”, observa. “Depois, existe a possibilidade de podermos publicar noutros países, pois o objetivo último do CELA é conseguirmos uma tradução para outra língua.”
“O projeto CELA cria uma interligação entre os escritores de vários países, que não têm a divulgação que tem a língua francesa, inglesa ou alemã”, acrescenta Patrícia Patriarca, escritora de Óbidos. “Tem sido uma mais-valia pela interação, pelas experiências que vamos partilhando, pelas vivências de cada um”, especifica. “O workshop em que participei tinha a ver com vender a minha obra a um editor. Em Portugal, mandamos emails às editoras e ficamos à espera do melhor”, conta. A autora gostou ainda do desafio de escrever a partir de uma palavra (mudar). “É uma maneira diferente de trabalhar.”
União na diversidade
Escritora e tradutora romena, Lavinia Braniste considera que o CELA possibilita que os países europeus de línguas menos faladas se unam na diversidade. “Roménia e Sérvia são países vizinhos e mal conhecemos a cultura uns dos outros. Precisamos de projetos destes para nos ajudar a conhecermo-nos melhor”, defende. “A edição é um negócio, pelo que preferem traduzir best-sellers escritos em inglês ou noutras línguas mais faladas. As línguas menos faladas não têm tantas oportunidades nestes mercados competitivos. Precisamos de apoios de instituições.” Com um livro traduzido para alemão, polaco e espanhol, Lavinia espera “ser descoberta por algum editor ou tradutor”, porque na Roménia não trabalham com agentes.
A trabalhar numa biblioteca na Sérvia, Jasna Demitrijevic confessa que tem o sonho de se tornar escritora a tempo inteiro, apesar de duvidar que isso venha a acontecer. “Um dos meus objetivos já foi alcançado: conhecer escritores e tradutores interessantes e instituições que trabalham na área da literatura”, refere. “O CELA é uma boa oportunidade para aprender e para conhecer outras experiências. Gostava de publicar noutras línguas, pois tenho apenas pequenas histórias traduzidas para alemão, albanês e inglês”, explica. “Não tenho a expectativa que sejam traduzidos para outras pequenas línguas, mas vou bater a todas as portas, pois agora tenho outra perspetiva de como as coisas funcionam.”
A primeira conversa sobre o projeto CELA, que teve início em 2019 e termina em 2023, e que envolve 30 escritores, decorreu entre Daniela Costa e Patrícia Patriarca. Vencedora de quatro prémios, Daniela tem três livros publicados, um texto – “A tapioca” – traduzido para nove línguas, e dedica-se à escrita de textos biográficos e memórias. “Escrever surge como uma consequência de ler e de viver. Não conseguir suster mais uma determinada história e acontecimentos, que começam a ganhar vida e a querer expressar-se. É como se escrever fosse quase um imperativo.”
Escrever como escape
Natural de Óbidos, Patrícia Patriarca tem três obras publicadas, participou em várias antologias, está a terminar o quarto livro e aguarda a publicação de um livro infantil, na sequência da participação num concurso, que despertou o interesse de uma editora, e que deverá integrar o Plano Nacional de Leitura. “Escrever é um escape, uma terapia. É como respirar. Não existe um horário, um dia certo. Gosto que as pessoas leiam o que eu escrevo e viajem. Pode não ser viajar para um sítio, mas dentro de nós próprios”, explicou.
Patrícia manifestou orgulho por representar Portugal e Óbidos no projeto CELA, e revelou que foi influenciada na escrita por Eça de Queirós e pelas histórias contadas pela “voz dos mais velhos”. “Escrevo sobre aquilo que conheço, sobre as minhas memórias”, acrescentou. Daniela nomeou, como escritores influentes ao longo da sua vida, Pepetela, Miguel Torga e Elena Ferrante, e também indicou a memória como um dos seus pilares da escrita, assim como a criatividade e a linguagem. “O escritor é um contador de histórias artificial.”
Com dois livros de contos, dois romances e vários livros para crianças publicados, Lavinia Braniste leu um excerto que escreveu no âmbito do projeto CELA, sobre “mudar”. “Deram-me dez mil caracteres, o que é muito curto para uma escritora”, observou. Apesar desta limitação, contou que essa experiência marcou um novo registo na sua escrita e disse que estava a escrever um livro sobre a relação entre um pai e um filho. “Também haverá mudanças na vida das personagens. É um tema muito generoso, no qual ainda estou a trabalhar.”
Trabalho de parceria
O excerto foi lido em romeno por Lavinia Brasniste e depois em português pela tradutora Cristina Visan. “A tradução é um desafio, porque estamos a trabalhar as palavras e a traduzir as emoções do escritor”, afirmou Cristina. “É um privilégio conhecer e trabalhar com o autor, para esclarecer o que é que queria dizer com aquilo, para perceber se estou certa ou não. Compreendo a linguagem dela e ela [Lavinia], sendo tradutora, também compreende o meu ponto de vista”, esclareceu. “O trabalho do escritor e do tradutor é muito solitário. Haver uma reunião no fim e poder conhecer o autor é muito importante”, confirmou Lavinia.
Tradutor sérvio, Ilija Stevanovski disse que traduzir Jasna Dimitrijevic “foi um desafio enorme, porque o texto dizia como devia fazer as traduções”. Ou seja, como a palavra “centro” de saúde era conotada com o ocidente, tinha de usar “casa” de saúde. “São apenas termos: centro ou casa de saúde. Quando o texto é bem escrito, não se perde nada com a tradução”, observou. “Continuamos a chamar casa de saúde, embora vivamos no capitalismo”, acrescentou a escritora. “Temos uma boa comunicação, mas às vezes temos de dormir sobre o assunto. O texto também se torna de quem o traduz”, sublinhou. “O trabalho conjunto faz com que nada se perca na tradução”, disse Ilija.