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Óbidos dá apoio a reabilitação de biblioteca de Nampula, Moçambique
O escritor Mia Couto pediu, ontem à tarde [8 de Outubro], o apoio do Município de Óbidos para reabilitar uma “velha biblioteca morta” de Nampula, em Moçambique, durante a sessão de entrega do Prémio Fernando Leite Couto a Maya Ângela Macuacua e Geremias José Mendoso. A proposta foi bem acolhida por Filipe Daniel, presidente do Município. “Os livros que temos a mais podem fazer a diferença na tomada de conhecimento”, afirmou.
“Em Moçambique, um escritor tem um respeito que talvez nem mereça. Somos parados na rua, para encomendar, dar recados, pedir para contarmos certas histórias”, explicou Mia Couto. “Os que habitam a escrita são uma espécie de entidade com uma ligação divina com algum poder”, afirmou. “Numa sociedade em que se lê pouco, há um grande apetite por ler.”
O presidente da Fundação Fernando Leite Couto pediu, por isso, a colaboração de Filipe Daniel para, de uma forma institucional, ajudar a recuperar a biblioteca de Santa Cruz, fundada por uma portuguesa, tendo em conta as dificuldades de muitos moçambicanos, que os impedem de comprar livros. “Há pessoas que têm um jornal de 1999 e que o releem porque não têm mais nada para ler”, assegurou.
Foi essa biblioteca que Geremias José Mendoso frequentou, quando descobriu a sua existência. Apesar de confessar que estava sempre a fugir às aulas, o jovem escritor despertou o interesse pela leitura com o irmão, que andava a estudar para padre e colecionava livros, que Geremias lia às escondidas. “Era um ladrão leitor”, brincou. Quando o irmão descobriu, falou-lhe na existência da Biblioteca de Santa Cruz.
“No dia seguinte, comprei o cartão e comecei a frequentar a biblioteca. Em dois meses, tive 93 presenças”, contou o jovem escritor, orgulhoso. “Sinto que sou o produto daquela biblioteca. Conheci lá o Luís Vaz de Camões e o Mia Couto”, recordou. “O meu irmão e a biblioteca foram a minha espécie de guião. Ler dá-nos essa vontade de buscar outras vozes, que nos incomodam tanto ao ponto de um dia começarmos a escrever alguma coisa.”
Maya Ângela Macuacua confidenciou que também “perdia mais tempo a ler do que a estudar” e que ia lendo os livros que o pai tinha na estante. “Ficava horas a pesquisar e a aprender. Foi assim que aprendi inglês e tive contacto com a cultura da África do Sul e dos Estados Unidos”, contou. “Moçambique é um país onde não se lê muito. Se não consigo ler, não vou conseguir escrever, nem expressar aquilo que penso”, defendeu. “Para mudar a sociedade, tudo começa pela leitura e pela viagem pelas letras.”
O Prémio Fernando Leite Couto de 2022 foi atribuído aos dois jovens escritores moçambicanos, pela fundação criada pelos filhos do poeta, que financia a publicação das obras. “O meu pai trabalhou para o nascimento de uma nova geração de autores. Depois de morrer, recebemos centenas de cartas de jovens a agradecer o que tinha feito”, contou Mia Couto. “Continuar esse trabalho era um dever moral e uma forma de o manter vivo.”
Quanto à Câmara Municipal de Óbidos ofereceu um cheque de 500 euros a cada um e uma residência literária na vila, com a duração de um mês. “Espero que desfrutem e se inspirem para novas e futuras obras”, afirmou Filipe Daniel, que acredita ter dado “um pequeno passo para fazer a diferença na vida da Maya e do Geremias”.