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“Estamos a navegar numa banalização do horror”

A propósito do tema “Guerra”, Cândida Pinto afirmou, ontem à noite, dia 20, que “estamos a navegar numa banalização do horror”, em alusão ao “excesso de imagens violentas e escabrosas” que são divulgadas pelos órgãos de comunicação social. A repórter da RTP e a jornalista do Expresso Ana França partilharam com o público do FOLIO as suas experiências no terreno e o seu olhar sobre os conflitos entre a Rússia e a Ucrânia e entre Israel e o Hamas.
Cândida Pinto referiu que, embora alguns meios tivessem uma política editorial muito clara sobre as imagens que se deviam e não deviam divulgar, se o órgão de comunicação social onde trabalha não mostrar uma “imagem terrível” a que todos têm acesso, isso não impede outras televisões de a difundir. Já Ana França assumiu ter dificuldade em posicionar-se sobre a divulgação de imagens chocantes.
“Já vi imagens que mudaram o mundo”, afirmou a jornalista do Expresso, em alusão a Alan Kurdi, um menino sírio de 3 anos, que morreu afogado no mediterrâneo, em 2015, quando fugia da guerra com a família, e o corpo deu à costa numa praia da Turquia. Ou a imagem, divulgada ontem, de um médico a colocar um bebé morto junto ao corpo da mãe, vítimas de um ataque aéreo na fronteira de Gaza com o Egito. “É útil para mostrar o que se está a passar? Não sei.”
Ana França contestou a ideia de que os jornalistas apoiam um lado ou o outro num conflito. “Eu não tenho de concordar”, sublinhou. A estratégia seguida pelo Expresso tem sido ter um repórter a acompanhar Israel e outro a acompanhar a Palestina. “O grau de manipulação que pode existir é muito elevado, porque há um grau de radicalismo extremo de um lado e do outro. Temos de dar as duas versões que existem”, afirmou Cândida Pinto.
“Tenho a preocupação de me aproximar o mais possível dos factos e da verdade. Se é absoluta, duvido”, admitiu a jornalista da RTP. Contudo, a propósito do ataque ao hospital em Gaza, que provocou a morte a centenas de pessoas, acredita ser possível chegar à verdade, porque os rockets e mísseis têm indicações do país onde foram fabricados. “A dúvida é se alguém consegue ir ao local ver essas provas”, comentou.
Quanto à explicação avançada por Israel de que terá sido o próprio Hamas a bombardear o local, Cândida Pinto disse que “as gravações [som] podem ser manipuladas e também há dúvidas se as imagens são daquele dia”. “Há tantas formas de fazer prevalecer a verdade que, para nós, é uma selva”, observou. Face a esta realidade, reforçou que têm de se relatar as “versões de dois adversários que se odeiam e alertar que só se chega à verdade dos factos se houver uma comissão independente para ver os rockets, mas tem de estar tudo intacto”.
Coautora de “Ucrânia insubmissa”, com David Araújo, a jornalista da RTP assegurou que “a experiência na Ucrânia foi muito forte e o livro foi catártico”, pelo que, apesar de lhe ter custado escrevê-lo, por a obrigar a reviver e recordar o sofrimento que viveram, disse que se sentiu “aliviada”. “Quando se entra na Ucrânia ou, agora, em Israel, na Líbia, no Egito ou no Irão, nós mudamos. O nosso corpo e cérebro ativam níveis de adrenalina e tensões”, garantiu.
“Andamos todos os dias a controlar a nossa vulnerabilidade, sem pensar muito nisso”, contou a repórter de guerra. “É preciso ter sangue-frio, calma e medo controlado, mas temos de saber lidar com ele, para não tomar conta de nós”, recomendou. Cândida Pinto considerou que, apesar de tudo, os jornalistas são uns “privilegiados” em relação a quem habita em zonas de conflito. “Eu e o David Araújo passámos umas semanas lá, e nunca houve queixa nenhuma. Quando saímos da fronteira, apareceram as dores nas costas, no braço, na perna, de cabeça”, contou. Reação que explicou com o facto de sentirem que já não corriam perigo e podiam relaxar.
De uma geração mais jovem, Ana França nunca tinha estado em locais em conflito, antes de ser escolhida para ir para a Ucrânia. “Estive em campos de refugiados, onde há muita tristeza, mas não há bombas”, observou. Apesar de se encontrar de férias, quando o Expresso lhe propôs acompanhar a guerra frente aos russos, a jornalista considerou justo, porque foi ela quem acompanhou de uma forma mais regular a invasão da Rússia, no Online. “Saber o que está a mudar no mundo deles e no nosso mundo é um dos propósitos do jornalismo, tal como fomentar a tolerância”, defendeu. Após essa experiência, escreveu “Ali está o Taras Shevchenko com um tiro na cabeça – Diário da Ucrânia”.